Como o mundo funciona — teorias de Relações Internacionais em poucas palavras
O campo de estudo das Relações Internacionais (RI, para abreviar) procura compreender e prever a interação entre diferentes atores na arena internacional (países, organizações internacionais, indivíduos, etc.). Os internacionalistas — aqueles formados em RI — dependem fortemente de teorias para ajudá-los a responder a várias perguntas, como: por que os países se comportam da maneira que agem? Por que as guerras ocorrem? Por que os países precisam de armas nucleares se esperam nunca ter que usá-las? Apesar de RI ser um campo de estudo relativamente moderno (cerca de cem anos desde que o primeiro curso foi estabelecido), as bases de suas primeiras teorias são formuladas nas ideias de estudiosos e pensadores que datam de séculos e até milênios! Seria necessário um livro inteiro para resumir todas as diferentes teorias que podem ser usadas para explicar a política internacional. No entanto, tudo pode ser resumido a duas teorias rivais: realismo e liberalismo.
Mas antes de fazer isso, aqui está algo importante. Ao escrever este texto pretendo atingir dois objetivos. Em primeiro lugar, quero detalhar os princípios centrais das escolas de pensamento realista e liberal em RI para fornecer ao leitor dois pares de lentes através das quais ele ou ela será capaz de entender eventos internacionais como o atual guerra russo-ucraniana. Em segundo lugar, quero estabelecer uma base teórica sobre a qual, em um próximo texto, tentarei explicar por que a Rússia decidiu que os benefícios de invadir a Ucrânia superam os custos da reação do Ocidente que o Kremlin está sofrendo. Decidi escrever este texto em inglês porque sei que posso atingir mais leitores, alguns dos quais são meus próprios alunos. Também fornecerei versões em português e francês.
Edward Carr foi o primeiro teórico contemporâneo que montou uma lógica estruturada para explicar o mundo. Ele argumentou que no realismo não há dimensão moral. Essa é uma ideia que vem da diferença de Nicolau Maquiavel entre a moral individual e a moral do estadista. Isso significa que, para um realista, o que é bem-sucedido é certo e o que não é bem-sucedido é errado. Carr também se baseou nas ideias do filósofo grego Tucídides para explicar que o mundo é um sistema anárquico, e nos escritos de Thomas Hobbes para argumentar que não é possível criar um Leviatã no sistema internacional. Isso significa que, ao contrário de dentro de um país onde o Estado detém o monopólio do poder sobre os cidadãos e os controla por meio de leis, no plano internacional é impossível criar um governo supraestatal para controlar outros países, porque os países nunca concordariam em abrir mão toda a sua soberania (a capacidade de decidir por si mesmos). O best-seller de Carr, “Vinte anos de crises: 1919–1939” abriu o caminho para um subsequente teórico de RI: Hans Morgenthau.
O livro de Morgenthau de 1948, “Política entre as nações”, foi tão bem-sucedido que se tornou a forma básica de explicar a diplomacia mundial e influenciou a maior parte da política externa dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, até meados da década de 1970. Em poucas palavras, um princípio central da teoria de Morgenthau é a essência da natureza humana. Em sua visão, os humanos são naturalmente dominados pelo desejo de poder, e isso os tornava inclinados à violência na luta pelo poder. Morgenthau chamou isso de animus dominandi (dominação animal) e acreditava que, como os países são controlados por pessoas, eles tendem a se comportar de forma violenta em busca de poder.
No final dos anos 1970, o livro “Teoria das Relações Internacionais”, de Kenneth Waltz, trouxe uma abordagem mais científica para o campo. A teoria de Waltz é chamada de realismo estrutural-defensivo. Basicamente, o estudioso acredita que não é a natureza humana que explica por que os países tendem a se comportar de maneira violente, mas, sim, a estrutura anárquica do sistema. Para Waltz, a ausência de uma “vigília noturna mundial” cria uma atmosfera de autoajuda. Isso, por sua vez, leva os países a perceberem que são os únicos responsáveis por sua própria segurança e que é melhor tomar as medidas necessárias para se protegerem, porque nunca podem ter certeza se os outros países têm intenções boas ou ruins. Para Waltz, esse conjunto de restrições significa que os países buscarão maximizar seu poder relativo para que possam dissuadir ameaças potenciais. A teoria de Waltz leva o nome de realismo “defensivo” precisamente porque, em sua opinião, os países não buscarão acumular o máximo de poder que puderem, porque isso desequilibraria demais o equilíbrio de poder entre os países e deixaria os outros inseguros. Na teoria de Waltz, o sistema bipolar era o mais seguro, pois significava “menos dedos no gatilho”. Quando esse sistema foi intencionalmente desmantelado no início dos anos 1990, o realismo estrutural de Waltz precisava de uma revisão. É aqui que entram as obras de John J. Mearsheimer.
John J. Mearsheimer é um dos defensores da escola de pensamento realista ainda vivo. Como seus antecessores, Mearsheimer defende a maioria dos princípios centrais do realismo, como a anarquia do sistema internacional e a necessidade de poder dos países e a competição potencialmente violenta que resulta disso. Diferentemente de seus antecessores — e particularmente diferente de Waltz –, John pensa que os países buscarão ter todo o poder que conseguirem (e não apenas o suficiente, como argumentou Waltz). Por causa disso, a teoria de Mearsheimer é chamada de realismo estrutural-ofensivo.
Na história de IR, o que veio a ser conhecido como idealismo surgiu pela primeira vez após a Primeira Guerra Mundial. Woodrow Wilson, o presidente americano durante a Primeira Guerra Mundial, foi um de seus primeiros proponentes na era moderna. O idealismo de Wilson pode ser visto em seus Quatorze Pontos, particularmente o 14º, que defendeu a criação da Liga das Nações. As ideias de Wilson encontram suas raízes teóricas nos primeiros pensadores como John Locke, Jeremy Bentham e Immanuel Kant.
A tradição idealista está associada ao surgimento do Estado liberal moderno (após 1789), razão pela qual é comumente referido como liberalismo (não no sentido econômico da palavra). Em suma, o liberalismo reconhece que a natureza humana é fundamentalmente egoísta e competitiva, mas, ao contrário de seus equivalentes realistas, os liberais são mais otimistas sobre a possibilidade de quebrar essa tendência à violência por meio do progresso e da razão. A ideia de progresso é um pilar central da escola liberal de pensamento em RI. Os liberais acreditam que a cooperação baseada no interesse mútuo entre os países acabará por prevalecer, porque a modernização cria interdependência e necessidade de cooperação. Isso, por sua vez, deixa claro para os países que o custo da violência geralmente supera os benefícios.
No início da Segunda Guerra Mundial, o pensamento liberal em RI foi eclipsado pela escola realista. Isso é compreensível, pois os liberais proclamaram, após a Primeira Guerra Mundial, que os países haviam entrado em uma nova era de racionalidade e que a Liga das Nações ajudaria a evitar uma catástrofe como a Primeira Guerra Mundial. Assim como o realismo, o pensamento liberal evoluiu ao longo dos anos e muitos ramos foram moldados em novas teorias.