E agora, José?

Adilson S. Proença
4 min readMar 26, 2020

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Brasil e o Covid-19

O economista mais lúcido e esclarecido que já li ainda está vivo. O quase nonagenário Thomas Sowell. Do ponto de vista estritamente ideológico, T. Sowell é fruto da mesma escola de pensamento econômico que o ministro da economia, Paulo Guedes.

Num dos livros de T. Sowell que li (Basic Economics), há uma frase que muito bem descreve o aspecto frequentemente conflitante e perverso das ciências econômicas das escolhas que a sociedade precisa fazer:

“A via não nos dá o que queremos. Ela nos dá opções”.

— Thomas Sowell

O Covid-19 se alastrou pelo mundo nos últimos três meses com uma celeridade impressionante. Aqui nos trópicos, as circunstâncias dá ao governo Bolsonaro — e a todos os demais governos que estão em algum momento da curva de contágio e mortes — não o que seria ideal (pouquíssimo ou nenhum impacto sanitário, social e econômico), mas, sim, apenas duas opções: a ruim e a pior.

Aquela (a ruim) é seguir as medidas de segurança sanitária sugeridas pela OMS, particularmente o confinamento, a fim de se “achatar” a curva de contágios e, assim, evitar o rápido contágio de pessoas (dentro ou fora das chamadas “idades de risco”). No Brasil, um alastramento célere do contágio poderá saturar o SUS, que costuma não dar conta nem dos picos convencionais de demanda. A segunda opção (a pior), e talvez a que o governo pretende seguir, é resguardar a economia nacional pedindo que as atividades não essenciais voltem à normalidade. Não há certo ou errado entre aqueles se situam em qualquer medida no espectro entre resguardar vidas ou economia brasileira. O custo sócio-econômico das duas, em graus diferentes, é perverso!

Não sou médico nem biólogo. Não sei avaliar o potencial devastador do vírus. Talvez meus amigos da área possam contribuir. De qualquer forma, a julgar pelas medidas econômicas de contenção que têm tomado os Estados Unidos, a Europa e a China (juros em baixas históricas, “helicopter money”, isto é, dar dinheiro ao povo, e outras), concluo que o vírus é mais preocupante do que por aqui, no trópicos, se pretende acreditar.

Como graduando em ciências econômicas, consigo fazer a seguinte leitura. Seja o Covid-19 fruto de um castigo divino ou de um complô sino-internacional para se manipular as Bolsas, entendo isto: como um pedra que ao cair na água gera ondas que se alastram, o impacto econômico causado pelo vírus já está feito! A “pedra” atingiu rios cujas ondas propagadas alcançam a muitos. Estados Unidos e China representam aproximadamente 40% do PIB mundial. A Europa, hoje parada, representa mais uma boa porção. A Índia, com sua população de 1.3 bilhão, também tem peso. O que isso significa?

Se Covid-19 fosse erradicado hoje e tudo voltasse ao normal amanhã, o impacto dos últimos dias de paralisação para combater o alastramento ainda maior do vírus já está consumado. Dado o peso dessas economias e a interdependência das economias em escala mundial, no mínimo uma desaceleração nós sentiríamos aqui nos trópicos. Isso já seria o suficiente para reduzir a expectativa de PIB do Brasil dos 2,4% inciais (em janeiro) para algo abaixo de 1,5%.

Desempenho das principais economias para o Brasil pelo PIB Real (dados da Fitch Solutions)

Hoje, com o vírus — ou “gripizinha” — — em terras brasileiras e já dominando os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, que juntos representam mais ou menos 38% do PIB do nosso país (uns 28% só para SP), a opção ruim (quarentena e manutenção apenas de serviços essenciais) é a “melhor” opção. É uma medida de choque contra o alastramento do vírus. Essa medida certamente nos colocará em recessão técnica ao longo do ano (ou seja, poderemos ter PIB negativo em 2020). Embutidos aí estão milhares de desempregados e todo o caos social que isso representa.

A opção “pior” (encarar o vírus como uma simples gripe e demandar a volta à normalidade de serviços não essenciais em momentos de crise nos estados mais afetados) pode, temo, acelerar o a disseminação do vírus, saturar o sistema de saúde e, na ponta final dos dominós, nos aproximar de uma recessão nos níveis que vivenciamos (senão maior) no biênio 2015–2016, quando o PIB contraiu quase 7%, com juros e desemprego de dois dígitos. Isso seria um custo maior do que a opção “ruim” nos daria.

Não sei se o Guedes foi aluno do T. Sowell. Se foi, não tenho dúvidas que ele deve ter lido sobre a perversidade das escolhas. Deve, sobretudo, saber que não sairemos ilesos desta crise. Tudo que o governo pode fazer é tentar escolher entre o ruim ou o pior para amenizar os impactos que virão por aí.

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Adilson S. Proença

An International Relations degree holder; a language, history and economics aficionado; and a soon-to-be Economist who sees writing a thought-untangling act.