Geopolítica do Mar da China Meridional

Adilson S. Proença
4 min readDec 25, 2019

O Mar da China Meridional, também referido como Mar do Sul da China (South China Sea), é um dos pontos nevrálgicos da diplomacia geopolítica mundial. Embora estejamos abordando um ponto regional do globo — o referido Mar — a problemática adquiri um aspecto mundial uma vez que ali estão sobre o tabuleiro interesses diversos e diametralmente opostos: de um lado, uma hegemonia regional ascendente e com projeção de poder em escala mundial, a China, e, do outro lado, os interesses estadunidenses, uma potencial mundial já estabelecida. Além disso, adicionam-se ao caso os interesses dos países regionais, como Indonésia, as Filipinas e o Vietnã (para citar alguns).

O embrião das disputas é este: uma reserva de recursos naturais e marítimos (gás, pesca, petróleo, etc.) cujo potencial é ainda desconhecido existe naquelas águas meridionais. Complementarmente, para China e os demais países regionais, questões de segurança nacional revestem o já conturbado tema.

Da perspectiva dos recursos naturais alguns pontos merecem atenção. Resumidamente, todo país tem direito a algumas centenas de quilômetros para sua livre exploração econômica além da costa. Apesar de bastante grande, o Mar Meridional penteia os litorais de diversos países que reclamam seus direitos marítimos sobre os notórios recursos naturais da região.

Além disso, pela ótica do Direito Marítimo Internacional, se confirmada a existência de ilhas pertencentes a algum país, os quilômetros de direito de exploração passam a ser considerados a partir da(s) ilha(s). Isso significa, efetivamente, mais espaço para exploração econômica.

Um adendo sobre as ilhas é necessário. O Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA), em Haia, entende como ilha “uma área de terra naturalmente formada, cercada por água, e que esteja acima do nível do mar em alta maré”. Existem pequenos arquipélagos (naturalmente formados e, portanto, considerados ilhas na ótica do TPA) na região que são reclamados por alguns países, como China e Filipinas. Existem, todavia, ilhetas construídas pela China e que hoje abrigam alguns povoamentos e, em especial, bases militares.

Enquanto “ilhas construídas pelo homem” elas não se qualificam, segundo a definição de ilha do TPA, como extensão de direito pleno dos direitos de exploração marítimas, porque não são ilhas “naturalmente formadas”. Por que, então, a China as construiu e continua a alimentá-las com suplementos e militares? História.

A China postula à posse, de Direito, da quase totalidade daquele mar, o que possa explicar, especulo, o sugestivo nome “mar da China”. A postulação está calcada na chamada nine-dash line (ou linha das nove raias). Idealizada ainda em 1947, a linha “imaginária” dá substrato às demandas territoriais chinesas em detrimento, por exemplo, da decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem, em julho de 2016, que não reconheceu a postulação chinesa a ilhas que se encontram dentro do nine-dash e que também são reclamadas pelas Filipinas.

What’s China’s basis of the 9-dash line? Quora https://www.quora.com/Whats-Chinas-basis-of-the-9-dash-line

A imagem acima evidencia a sobreposição das demandas na região. As linhas azuis são as os direitos de exploração marítima dos países regionais. Note como as nove raias chinesas englobam a quase totalidade daquele mar meridional. Está aí o embrião da disputa geopolítica-diplomática. Aonde isso pode parar? Especialistas divergem. Os mais inflamados dizem guerra.

Não há dúvidas de que as demandas divergentes e que se sobrepõem formam o húmus em que pode florescer um conflito potencialmente armado. Recentemente eu li o clássico de John J. Mearsheimer: A Tragédia das Grandes Potências. A teoria de Mearsheimer se resume à premissa de que se a China continuar a ascender economicamente no ritmo em que o país cresceu nos últimos trinta anos, chegará o momento em que todo essa opulência econômica será convertida em poderio militar. Notícias do fortalecimento do exército chines não são raras. No contexto do conflito no mar meridional, a fortificação, com bases militares, das ilhas construídas são outros exemplos.

Segue-se, na visão do teorista Mearsheimer, que no momento em que a China for militarmente tão poderosa quando ela é economicamente, o governo chinês fará o que estiver ao seu alcance para evitar que o país passe pelos maus bocados da segunda metade do século XIX: o pilhagem das suas riquezas no contexto no neo-imperialismo daquela época. Nesse sentido, não seria surpresa alguma que a China queira avançar uma política de defesa nacional nos moldes da Doutrina Monroe estadunidense da primeira metade do século XIX. Afinal de contas: se os Estados Unidos, uma incontestável hegemonia regional em ascensão à época, puderam reclamar o domínio do hemisfério americano, por que não poderia a China, hoje uma hegemonia regional em ascensão, olhar para a Ásia através das mesmas lentes?

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Adilson S. Proença

An International Relations degree holder; a language, history and economics aficionado; and a soon-to-be Economist who sees writing a thought-untangling act.