Minha previsão para o PIB de 2020: “V” de vai ser foda

Adilson S. Proença
5 min readJul 25, 2020

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Atualizei meu modelo econométrico para o PIB e ele sugeriu um tombo, em 2020, de 7,03% seguido de uma recuperação plena só em 2023 se crescermos a uma média anual de 2,7% entre 2021 e 2023. Ou seja, uma recuperação em “V” de “vai ser foda”.

Em meados de fevereiro deste ano eu me apliquei ao exercício de tentar projetar o PIB real (descontado o impacto da inflação, por isso “real”) para 2020. Naturalmente, naquele mês, o maldito vírus parecia ainda não ter aterrissado por aqui — ou pelo menos não tinha ainda se manifestado e se disseminado fortemente como ocorreu de março em diante. Isso significa que naquele mês de fevereiro o horizonte apresentava-se de forma mais clara. Assim, meu modelo, naquele momento, projetava um crescimento de 1,2%.

Hoje, em fins de julho, paira um densa poeira no horizonte. Em termos de previsões, esse cenário parece aumentar ainda mais as margens de erros. Não são necessários modelos para nos dizer que do ponto de vista agregado das coisas (aqui me refiro ao PIB) a trajetória daqui até dezembro será descendente. O desafio é dizer o quanto. Ainda assim, acho válido o exercício de recalibrar o modelo de fevereiro e ver no que ele dá.

O que mudou e por quê?

Neste texto eu não pretendo explicar em profundidade as tecnicalidades econométricas subjacentes aos modelos de fevereiro e de julho. Neste link eu já tratei de fazê-lo. Todavia, não posso deixar de destacar as diferenças entre o modelo de fevereiro (cuja projeção sugeria crescimento de 1,2%) e o modelo de hoje (25/07/2020), cuja projeção aponta queda de 7%. Assim, nas tabelas abaixo, tratei de listar as variáveis explicativas (i.e. aquelas que em conjunto e econometricamente trabalhadas explicam o comportamento do PIB) que compunham ambos os modelos.

Variáveis-componentes dos modelos de fevereiro e julho de 2020

O modelo deste mês é três vezes menor! Reduzi-o drasticamente por um motivo bastante simples: contenção de negatividade. Para se projetar qualquer coisa você precisa saber selecionar um conjunto de outras coisas que relacionam-se bem com aquilo que você quer projetar (mas não entre si: multicolinearidade). Existem ferramentas estatístico-matemáticas à disposição para isso. No modelo de janeiro, por exemplo, os testes indicaram que doze variáveis explicaram bem o comportamento passado do PIB brasileiro, de modo que eu poderia usá-las para extrapolar o passado para o futuro próximo.

Para isso, todavia, eu precisaria de projeções para cada uma das doze variáveis. Em outras palavras: já que o comportamento passado, em conjunto, das doze variáveis explicou bem os altos e baixos do PIB brasileiro no passado, eu precisaria saber como essas mesmas variáveis iriam se comportar ao longo de 2020 para então saber como elas afetariam o PIB brasileiro de 2020. Ou seja: são necessárias projeções para se fazer uma projeção.

Até aí, Ok. Ocorre que eventos como o vírus infeliz promovem uma verdadeira quebra de padrões de comportamento dos dados. Tudo fica bagunçado e, assim, as projeções ficam ainda mais incertas. Desse modo, procurei conter a negatividade atualmente presente nas projeções das variáveis do primeiro modelo a partir da eliminação da maioria delas. Ou seja: deixei apenas o “esqueleto” do PIB, que é a soma dos gastos das famílias, dos investimentos do setor privado, dos gastos do governo e das exportações líquidas.

Equação do PIB.

Algum tempo atrás, em março (o ponto mais crítico da pandemia, no Brasil), eu atualizei o modelo com as mesmas doze variáveis, mas nada publiquei sobre o resultado, que naquele momento sugeria queda de 17%! Parece que fazer projeções no ponto mais crítico de um choque sistêmico é como abrir a boca em momentos de alto estresse. É melhor calar-se.

2020 e a recuperação em “V” se …

O resumo da opera é este: se, de fato, verificarmos uma queda de ou em torno de 7% (o modelo aponta 7,03%), isso significa, em termos absolutos, que em 2020 o PIB será de R$ 3.838 trilhões. O modelo sugere que apenas em 2023 é que o PIB brasileiro voltará ao ao patamar pré-vírus (isto é, R$ 4.129 trilhões). Para que isso ocorre, além de sorte e a ajuda de Deus, precisaremos crescer a uma média anual de 2,7% entre 2021 e 2023. Ou seja, uma recuperação em “V” de “vai ser foda”.

Recuperação em “V” de “vai ser foda”.

Breve avaliação da qualidade econométrica do modelo (isso é mais técnico)

MAD, MAPE, R², R² Ajustado e P-valor

Trabalhei com o período de 1995 até 2019 mais projeções para as variáveis explicativas de 2020 até 2025. A média do PIB verificado (o que realmente aconteceu) no referido período foi de R$ 3.394,79 trilhões. A média do PIB projetado para o mesmo período foi de R$ 3.394,78 trilhões. A média absoluta dos erros entre o projetado e o verificado é de R$ 15 bilhões. Percentualmente falando, esses erros, na média (MAPE) foram de meio por cento (0,45%). Considerando que trabalhei com um intervalo de confiança de 90% e que a o MAPE é de menos de 1% (teria sido aceitável um MAPE DE até 10%, que é diferença), o modelo mostra-se confiável.

Quanto às demais métricas, reproduzo a tabela abaixo, que, também, demonstra a solidez estatística do modelo.

E aí?

Isso tudo vai acontecer? Eu não sei. Por quê? Porque, como disse, o dinamismo das coisas é imprevisível. Econometricamente falando, o que eu posso afirmar é que o cenário projetado se concretizará na proporção em que as quatro variáveis que eu incluí no modelo comportarem-se como suas projeções disseram que elas se comportariam.

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Adilson S. Proença

An International Relations degree holder; a language, history and economics aficionado; and a soon-to-be Economist who sees writing a thought-untangling act.