O que meu modelo econométrico diz sobre o PIB brasileiro para os próximos anos
Ao longo dos últimos 12 meses ou mais eu busquei projetar o Produto Interno Bruno Real do Brasil quatro vezes. Em setembro de 2019 minha aposta era algo entre 1 e 1,5%; em fevereiro de 2020 meu modelo sugeria um aumento de 1,2% (algo mais conservador se comparado aos 2,50% então esperados pelo governo); em julho daquele ano o mesmo modelo tombou para -7,05%, em resposta à brusca desaceleração econômica causada pelo pandemia e o horizonte catastrófico que naquele momento se desenhava; e agora, fevereiro de 2021, as mesma variáveis sugerem uma queda menos brusca a -5,50%.
Neste texto eu tenho os seguintes objetivos: em um primeiro momento, vou explicar o porquê de uma queda menos brusca se comparado à projeção de julho de 2020 e, em um segundo momento, vou apresentar os downside risks, isto é: o que pode dar errado e piorar o cenário esperado pelo modelo.
Menos ruim por quê?
Em um de seus livros, Milton Friedman, prêmio Nobel, comenta a respeito da importância do dinheiro na economia. Afirmar isso parece ser tão óbvio quanto o fato de que precisamos de oxigênio para viver, mas a despeito dessa obviedade, só se pode sentir a indispensabilidade do oxigênio — e, por extensão, a indispensabilidade do dinheiro na economia — diante da sua ausência. E essa ausência não precisa nem vir em forma de ausência plena (nenhum dinheiro circulando). Basta ter menos dinheiro circulando do que o habitual e se já faz reverberar pelas cadeias econômicas uma asfixia generalizada.
Nesse sentido, quando atualizei o meu modelo econométrico em julho de 2020 para refletir os efeitos negativos que a pandemia lançava sobre o mundo e sobre o Brasil, as variáveis explicativas (i.e. aquelas que explicam o comportamento passado daquilo que você está projetando) captavam um horizonte sombrio: redução bruta da atividade de diversos setores; subsequente aumento da taxa de desemprego; consequente queda no consumo; derradeira contração do PIB. Era para esse horizonte que apontava aquele modelo caso nenhuma contra medida naquele momento fosse tomada a fim de ao menos amenizar os impactos negativos certos da pandemia. Essa contra medida merece destaque.
Ela veio fundamentalmente em forma de uma injeção multibilionária de dinheiro na economia. Das parcelas do auxílio emergencial — que puderam manter um nível mínimo de consumo para uma parcela representativa da população — à flexibilização dos contratos trabalhistas — que atenuou a disparada da taxa de desocupação. Essas são as principais medidas responsáveis pela atenuação do processo de contração do PIB brasileiro em 2020. Observe os dados abaixo.
A pizza acima representa a participação sobre o produto total (o PIB) de cada um de seus componentes. É frequentemente a partir desses mesmos quatro componentes que se chega à soma do PIB de um país. Eu os usei para compor o modelo econométrico. Os componentes são: os gastos das famílias (household consumption); os investimentos do setor privado (private investment); os gastos do governo (government consumption) e as exportações líquidas (net exports, ou seja, tudo que se vendeu ao exterior menos tudo que de lá se comprou). O gráfico evidencia um fato comum entre as economias do mundo: a compreensível representatividade do consumo das famílias no total do PIB. No Brasil, pela média observada entre 2010 e 2019, essa parcela foi de 63%. Ou seja: mas da metade de toda renda gerada no país se deve aos gastos das milhares de famílias brasileiras.
Disso se infere a relevância dessa parcela de gastos, de modo que situações — como a pandemia — que levem à contração dos gastos das famílias afetam substancialmente o nível de renda do país. Outra parcela de relevância significativa é aquela que representa os gastos das empresas. Essas, em tempos incertos, costumam cortar gastos e reduzir investimentos. Isso se traduz em demissões, o que apenas adiciona ao número de famílias afetadas e que, por consequência, consumirão menos. Os gastos do governo, por sua vez, também são representativos e, como discutirei no próximo parágrafo, têm variado nos últimos anos. Já as exportações líquidas, em termos absolutos, não deixam de ser representativas e o valor negativo de sua representatividade no total do PIB significa apenas que, pela média, no período estudado (2010–2019), o país importou mais do que exportou de forma geral.
Uma análise mais detalhada dos chamados componentes do PIB é observar suas variações entre períodos. Aqui, no gráfico abaixo, eu as apresento em variações anuais a partir de 2010 até 2019 mais a projeção de 6 anos entre 2020 e 2025. Juntos, esses três principais componentes — consumo das famílias ( C ) , investimentos do setor privado ( I ) e consumo do governo (G ) — representam praticamente a totalidade do PIB brasileiro e apresentaram variação negativa na crise econômica de 2015–2016, quando o PIB acumulou aproximadamente 6,8% de queda.
Para 2020 o modelo econométrico projeta para consumo das famílias, investimentos privados e consumo do governo variações negativas na ordem de -5,80%, -9,10% e -2,70%, respectivamente. Para esse último componente, em particular, a taxa poderia ter sido maior (isto é, menos gasto), sem a pandemia, uma vez que esta permitiu ao governo incrementar seus gastos.
Esses componentes, sugere o modelo, tendem a um retorno aos níveis pré-pandemia a partir de 2021, mas, em conjunto (formando o PIB) não devem recuperar as perdas acumuladas antes de 2022–23.
Riscos: o que pode negativamente afetar a projeção
Política fiscal
A política fiscal (gastos vs arrecadação) está em níveis alarmantes. Compreensivelmente, esse fato piorou em 2020 na medida em que aumentaram os gastos em forma do auxílio emergencial. Em termos práticos, a deterioração da política fiscal do país lança dúvidas sobre sua capacidade de solvência e com isso pode se desencadear uma série de efeitos macroeconômicos negativos no longo prazo, como aumento dos juros básicos.
Para ilustrar, o gráfico abaixo mostra a relação entre o gastos e ganhos (aqui, o PIB) do Brasil comparativamente a um conjunto de países representativos da economia sul-americana. Aqui, chamo a atenção do(a) leitor(a) ao seguinte: por todo o período dos dados o Brasil e Argentina têm níveis de gastos acima de todos os demais países e acima até mesmo da média de todos os países (linha vermelha mais expeça). As projeções sugerem que o Brasil tenha fechado 2020 com uma relação gastos-PIB em 92% e a Argentina tenha superado a taxa de 100%. Os anos que se seguem para ambas as economias sugerem um novo patamar de gastos elevadíssimos.
A linha vermelha pontilhada que curta o gráfico horizontalmente é o threshold a 64%. Há alguns anos o Banco Mundial publicou um estudo que teve por fim analisar qual seria um ponto crítico a partir do qual o nível de endividamento de um país em relação ao seu produto (o PIB) poderia ser considerado “crítico”. O estudo, em resumo, sugere que para países emergentes um relação Dívida-PIB na ordem de 64% pode negativamente impactar o avançamento econômico do país.
Com isso em mente, observe como o Brasil rompe esse limiar a partir de 2014 (momento em que a crise que se seguiria entre 2015–2016) começava a tomar forma. A Argentina rompe em meados de 2017 — memento crítico do governo Macri. O Uruguai penteia a linha a partir de 2014 e os dados sugerem que o pais a tenha rompido em meados de 2019 com perspectiva, pelas projeções, de aumento progressivo acima do limiar daqui para frente.
Já os demais países, observe, apresentam trajetória ascendente, mas sem romper a linha, com a exceção da Colômbia e da Bolívia que, sugerem as projeções, devem romper o limiar de 64% nos próximos anos.
Vacina
Não pode haver normalidade completa sem uma vacina comprovadamente eficaz e cuja oferta seja global e suficiente. A julgar pelo desenrolar das coisas nas últimas semanas, tenho a impressão que estamos nos aproximando do começo do fim, mas isso, infelizmente, não garante que os passos finais não sejam caóticos. Um entrave (político ou econômico) no processo de desenvolvimento e distribuição da vacina terá o efeito prático de tornar mais morosa a retomada da atividade econômica e, com isso, a curva da recuperação do modelo — que prevê retorno aos níveis pre-Pandemia em 2022/3 — pode se estender, aduquirindo um aspecto em “U" mais do que um em “V" como hoje sugere a projeção.
Eleições presidenciais em 2022
O pleito será ou um empurrão para frente (como costuma ser o caso) ou um empurrão para trás. Nos meses que precedem o pleito presidencial costuma haver uma injeção maior de investimentos na economia real. Podemos esperar isso para 2022, embora a intensidade desses investimentos possa ser reduzida em função da deterioração da política fiscal a que temos assistido nos últimos anos. Por outro lado, a polarização política que vem se desenhando internamente nos últimos anos pode culminar num processo eleitoral conturbado. Se isso ocorrer a retomada econômica pode ser significativamente dificultada, em vista dos sinais de instabilidade políticas que um evento como esse envia aos mercados interno e externo.